Não se fala de outra coisa. Deveria eu me calar e simplesmente reproduzir os belos comentários escritos
aqui,
aqui e
aqui?
Não. Quero expressar minha opinião.
Em primeiro lugar, parece ilógico afirmar, mas prefiro pecar por excesso, de que as palavras aqui contidas refletem minha opinião pessoal acerca do assunto, e em momento nenhum buscam transformar-se em verdade absoluta nem trato aqui de um dogma ou crença que quero impor.
Em segundo lugar, para quem estiver chegando de Andrômeda agora, as palavras acima e abaixo referem-se à discussão atual sobre o destino de Terri Schiavo, que desde o dia 18 de março teve a sonda que a alimentava e hidratava retirada por uma decisão judicial, após solicitação de seu marido Michael. Do outro lado da luta encontra-se Bob e Mary Schindler, pais de Terri, que lutam para que a sonda seja novamente instalada.
Para que possamos entender bem o caso, precisamos diferenciar a eutanásia ativa (aquela em que se induz positivamente, por exemplo, através de uma injeção letal, a morte de uma pessoa) da ortotanásia, ou eutanásia passiva. A última, a que agora a Sra. Schiavo está sendo "submetida" já é praticada de forma velada nas UTIs de todo Brasil e do mundo. No caso brasileiro (e certamente de outras UTIs pelo mundo), existe sempre a anuência de todos familiares próximos para que a decisão seja levada a cabo. Nunhum médico pode isoladamente tomar a decisão de por fim a medidas de suporte avançado sem antes comunicar um membro da família capaz de tomar a decisão em nome do moribundo.
O que provoca o debate no caso específico é a discussão entre familiares, de um lado o esposo e do outro pai e mãe de Terri. Provavelmente, se houvesse consenso, não estaríamos aqui discutindo este tema, pois ou Terri já estaria morta ou, do contrário, continuaria vegetando por anos a fio até que o dinheiro acabasse.
Sou a favor da eutanásia passiva e, confesso, já presenciei numerosos casos durante meu estágio em Terapia Intensiva. Quando consultado, em mais de uma vez, sempre tendia a seguir "investindo" no paciente. Era o último a desistir. Sempre queria aumentar um pouco mais a dose de noradrenalina ou acrescentar mais um ou dois antibióticos. Mas, depois de muito nos debatermos frente às doenças e a situações como a que Terri se encontra, temos que perceber um fato: somos humanos e não deuses. Nossa capacidade de reverter certas situações de doença é limitada. Temos que aceitar que a morte faz parte da vida, é inerente a esta. Fazer como os chineses: seguir o Tao, deixar fluir, às vezes é o melhor caminho. Esta é a eutanásia passiva. Não mais agir contra a Natureza.
Outra coisa pouco comentada é o fato de que existem alguns parâmetros de bioética que devem ser levados em conta sempre que tratamos de cuidar de qualquer pessoa enferma. São os princípios de Beneficência, Não-Maleficência, Autonomia e Justiça.
Vejamos: os três primeiros dizem respeito tão somente ao indivíduo e o quarto ao indivíduo enquanto parte de uma sociedade.
Pelo princípio da Beneficência, entendemos que só devemos atuar sobre alguém de forma terapêutica se estivermos conscientes de que estaremos certamente lhe fazendo um bem (o que não ocorre em algumas formas de charlatanismo, por exemplo).O Princípio da Beneficência também é o que estabelece que devemos fazer o bem aos outros, independentemente de desejá-lo ou não.
Pelo princípio da Não-Maleficência, devemos necessariamente não trazer prejuízos intencionalmente aquele em que estamos intervindo.
Primum non nocere.Pelo princípio da Autonomia, todo ser humano de idade adulta e com plena consciência, tem o direito de decidir o que pode ser feito no seu próprio corpo.
Pelo princípio de Justiça percebemos que devemos agir pensando a saúde da seguinte forma: a cada pessoa uma parte igual; a cada pessoa de acordo com a sua necessidade;
Segundo o marido de Terri a mesma havia exposto claramente que não desejaria manter "aparelhos" ligados caso estivesse em uma situação-limite como a que se encontra. O problema é que aí no meio encontram-se 2 milhões de dólares que o marido gerencia em função de ser o tutor legal de Terri. O princípo da Autonomia não se aplica, já que não é a pacient eem seu estado consciente quem está falando e não há documentos que comprovem seu desejo.
Pelos princípios de beneficência e não-maleficência no que tange ao caso em questão, ficamos restritos às nossas próprias crenças. Achamos que ficar em estado vegetativo por mais 15 anos é saudável. OK. Quem sabe até lá a ciência descubra uma forma de nos tirar dessa enrascada. OK. É meu direito. Ou então, achamos que qualquer tempo de vida neste estado, sem chance atual de recuperação é degradante e só traz sofrimento aos cuidadores. OK. Quero partir. OK. É meu direito.
Difícil é se colocar no lugar dos pais de, digamos, um jovem de 21 anos que sofre um traumatismo craniano ao ser atropelado por um motorista bêbado que necessitaria de um leito de UTI que lhe salvaria a vida e, muito mais, possivelmente o deixaria 100% são e este mesmo jovem não dispusesse de leito na UTI pois, há 15 ou 20 ou 25 anos existe alguém que já não mais se comunica com o mundo externo ocupando aquele leito.
Escrito assim pode aprecer desumano. Pense novamente. Se focê você no lugar do menino de 21 anos. Ou seu filho. Ou sua mãe.
É difícil para mim escrever isso. Acredite. Enquanto escrevo, tenho a sensação de que, lá no fundo, posso estar dizendo besteira. Mas é no que acredito, hoje e agora.
A esta altura, Terri já deve estar qual ameixa preta de tão desidratada, e a qualquer hora teremos notícia de sua morte.
Para ser sincero, acho que será o melhor para ela mas, seu eu fosse o juiz do caso, não ordenaria a retirada da sonda. Afinal de contas, os pais de Terri não querem que isso seja feito. Antes de mais nada, deveria se respeitar o desejo deles.
Deixe ficar na consciência deste casal de americanos católicos todas as reflexões que expus aqui.
Pensar Enlouquece, já dizia um amigo paulista. Vou parar por aqui pois tenho que colocar o frango no forno.
E Terri, que descanse em paz ou viva sua vida além desta da forma que você acreditava que seria.